‘Onde existe uma grande dor, existiu antes um grande amor’
Em Setembro o Mount of Oaks vai acolher dois eventos muito especiais
4-10 de Setembro – evento residencial com a Fourthland com o título ‘ O Olho do Vento’ The Eye of the Wind –
e de 19 a 22 de Setembro teremos o evento ‘Rital de trasnformação de mágoa em gratidão’ com Kedar S Brown – Transforming Grief into Gratitude Ritual.
O nosso querido amigo Hajo Müller, que criou a ligação com Kedar S Brown escreveu uma reflexão a que chamou ‘Onde existe uma grande dor, existiu antes um grande amor’.
Ele escreve sobre a sua própria experiência de participação no ritual e abrange os tópicos de dar espaço para a mágoa, conectarmo-nos com os nossos ancestrais, sobre o poder do ritual e sobre o movimento da mágoa para a gratidão – um movimento da dor para o amor.
Partilhamos enquanto forma de encorajar todos aqueles que estejam a considerar participar e convidamos a entrar em contacto e a registarem-se please get in touch and register.
Onde existe uma grande dor, existiu antes um grande amor
por Hajo Müller
Fogo, água, tambores e uma visita aos ancestrais. Um relatório de uma estadia de quatro dias nos bosques, a conexão com os falecidos, esperança e o quanto de emoção podemos encontrar numa pedra. E sobre o grande crescimento que surge de um ritual de mágoa.
Eu estou pronto. Aproximo-me do Mike e dou-lhe um toque no ombro, este é o sinal acordado. Ele sabe o que fazer. Ele conduz-me ao limite onde o nosso mundo acaba e o mundo dos mortos começa. Juntos entramos na esfera dos ancestrais. Estou numa floresta no noroeste de Inglaterra, é de noite, mas eu perdi todo o sentido de tempo. Um fogo está a arder, o rio próximo corre. Consigo ouvir tambores e uma estranha música de consolação Africana. Com a excepção do Mike e da Jenny, eu não conhecia nenhuma das vinte pessoas presentes e passou um ano desde que os conheci por acaso. Estávamos na pequena ilha Escocesa de Iona a visitar um mosteiro fundado há cerca de 1400 anos atrás. Soa a um tempo muito longo, no entanto o ritual que estamos a experienciar hoje é milhares de anos mais velho. E embora eu nunca tenha visto estas pessoas antes, sentir-me-ei ligado a elas toda a minha vida, pois todos nós vamos cruzar aquele limiar entre os mundos material e ancestral. E regressar de novo.
A minha Avó – o meu ancestral
Durante a tarde preparamos o local para o ritual. Escavamos o local para a fogueira, marcamos os limites com pedras e ramos, velas e flores, construímos um portal de entrada para área do outro mundo e criamos um altar para os ancestrais enquanto local de memória. I caminho lentamente lá com o Mike, as velas queimam e eu sento-me no chão por um tempo. Um foto antiga a preto e branco em frente de mim mostra-me o meu Avô como um jovem barulhento nos anos 50, baloiçando-se no tronco de uma árvores. Embora eu fosse muito próximo dele, aos 17 anos segurei a sua mão quando ele morreu anos atrás, existem muitas coisas mais que gostaria de ter aprendido dele. Próximo dele está a foto da minha Avó. Todas as provações que ela sofreu – deslocamentos forçados, pobreza, assassinato de membros da família, doença – não a tornaram numa mulher amarga. Isso sempre me inspirou.
Eu não pude acompanhar a minha Avó até ao fim da sua existência terrena. Naquela altura não tinha espaço para o luto pois no tempo da sua morte a minha vida estava preenchida de grandes mudanças. Eu vivia a centenas de milhas de distancia, um emprego desafiante aguardava por mim, uma relocação estava prestes a acontecer, o ir viver junto com uma mulher com quem tinha esperança de começar uma família. Mas isso não aconteceu. A relação partiu-se de forma dramática e demorei algum tempo a superar. Eu record um encontro especial. A minha Avó ficou emocionada quando viu a minha, ainda, namorada pela primeira vez, depois lançou os seus braços à volta do meu pescoço e disse para mim, com a sua típica ternura: “Deus juntou-vos!” Conforme sento-me em frente ao altar realize o quão significativas estas palavras foram para mim na altura. Provavelmente porque eu sempre tive dificuldade em me tranquilizar em situações da vida em que grandes decepções aconteceram.
Mas agora a minha Avó partiu, ela nunca mais poderá dizer-me tal frase sobre outra mulher. A sua confirmação e confiança seria algo que eu sentiria muita falta no futuro. Com a sua experiência de vida, ela sempre m ensinou que tudo pode terminar bem.
Tu és o resultado do amor de milhares.
De repente todos os meus ancestrais estão atrás de mim.
Fica quieto, eles dizem.
Observa e escuta.
Tu és o resultado do amor de milhares.
(Linda Hogan)
Dá espaço para a mágoa
Neste mundo entre mundos, posso dizer aos meus antepassados tudo o que quero dizer, agradecer-lhes pelo amor que recebi e pedir sabedoria em situações difíceis e decisões futuras. Tudo ainda é muito racional, as minhas emoções estão bloqueadas até que o Mike me diz com a sua voz suave: “Está tudo bem!” E coloca a mão no meu ombro. De repente a minha tristeza é libertada, e com isso as minhas lágrimas. Depois de um tempo indefinido com outros membros falecidos da família, estou pronto para voltar ao mundo dos vivos. Um homem sábio disse–me uma vez: o chamado dos mortos não é para que devamos morrer com eles, mas sim viver com eles! Depois que eu passar novamente pelo limiar, a comunidade acolhe-me com muito carinho. As pessoas rodeiam-me e abraçam-me, deixando-me sentir que meu lugar é (ainda) aqui. Outros usam o ritual de luto pelos pais, filhos ainda não nascidos, suicídios, parceiros, relacões quebradas, oportunidades perdidas ou até mesmo a nossa brutal exploração da Terra. A mágoa é muitas vezes sobre a falta de expressão emocional, seja tristeza, raiva, sentimentos de culpa ou sentimentos de abandono. Às vezes existem assuntos inacabados, choque ou uma simples a recusa em aceitar a morte. Isso pode levar a doença a longo prazo. Hoje à noite, juntos, oferecemos essa dor coletiva que serve o nosso ritual de comunidade ritual e a terra em que estamos. Juntos, é mais fácil permitir a dor, se necessário, gritar, e o sentimento frequentemente reprimido torna-se subitamente suportável.
O presente interior
Horas depois, depois da cerimônia, voltamos para o acampamento, subindo a encosta à luz das lâmpadas, passando pelas árvores e cavalinhas que já povoavam o planeta antes que os humanos existissem. Eu olho silenciosamente para o fogo por um tempo e depois, exausto, vou dormir. De acordo com a tradição da África Ocidental Dagara, cada pessoa carrega um presente importante (“medicina”) que a comunidade precisa desesperadamente. No nascimento, no entanto, esquecemos em que é que esta provisão consiste e é a tarefa de cada um de nós descobrir e implementá-la. É tudo sobre conexão, com os antepassados e os bisnetos, os vizinhos e os mais distantes, temporal e espacialmente e até mesmo abrangendo não só a espécie humana, mas toda a criação. Todos os seres e elementos estão entrelaçados na grande teia da vida. É sobre atenção plena, respeito pelo outro e seus próprios processos internos. Todos somos originários da água e do fogo: antes do nascimento, crescemos no líquido amniótico no útero de nossa mãe e, por fim, uma faísca causa nosso primeiro batimento cardíaco.
Mágoa e gratidão – da dor ao amor
O objetivo do nosso retiro é deixar a bagagem desnecessária e alcançar uma perspectiva de gratidão. Isso é expresso nos pequenos rituais que fazemos juntos enquanto nos reunimos em volta das chamas ou da água. Todas as manhãs, uma pequena oferenda é feita ao fogo e à água, em reconhecimento de que todos somos originados por esses elementos. Passamos os meses anteriores ao nosso nascimento no líquido amniótico e, em algum momento da época, uma faísca ou impulso elétrico causa nosso primeiro batimento cardíaco.
Kedar Brown, o terapeuta e curador que conduz o retiro, tem aprendido esses rituais de várias culturas indígenas por muitos anos, incluindo Malidoma Somé e Stephen Foster, e combinou-os de uma maneira única. A sua experiência, gentileza e prudência moldam a confiança necessária para envolver-se nos processos. Foi surpreendente a naturalidade com que se sentem todos esses rituais. Será porque acedemos à nossa herança cultural arcaica, muito antes das línguas, das tradições, das ideias e dos territórios terem despedaçado a humanidade milhares de vezes? Os participantes têm origens diferentes e são todos ocidentais de pele clara, o que é bastante irónico. Quando saímos depois dos quatro dias, algo cresceu entre nós e é difícil dizer adeus. Na cerimônia de despedida alinhamo-nos com uma pedra nas nossas mãos, olhamo-nos um a um, e batemos as pedras juntas, enquanto nos encorajamos mutuamente pelo tempo que nos espera. A minha pedra ainda tem um lugar de destaque na minha sala de estar.
The power of rituals
Although the retreat was very enriching and valuable, I had no real idea where it would take me. But just as there were signs that led me to this experience, I got reminders again and again to appreciate and recall my experiences. A short time later, at a conference in Prague, I met a doctor who has also worked with Malidoma. In a therapeutic training I was urged to imagine a dialogue with a deceased family member. On an Africa trip, I could watch a traditional mourning procession by night. And then there are all the little things that I have maintained. From time to time burn dried sage, to watch phases of the moon and seasonal changes more consciously. Or just be amazed by the light in the clouds and the bird’s voice in the tree.
Nothing is more valuable than life itself.
And the love that brings life.
One could describe the effect as follows: A door has opened, which has freshly connected me with experiences from my own biography and with what one could call the spiritual family heritage. My attitude towards it has changed: where formerly bitterness and pain were dominant, I now can feel more respect and compassion. That I exist and the way I am is the result of numerous encounters of people and many events. Of calamities and decisions, struggle, courage, despair, faith, hope and love. From this perspective everything feels more whole, maybe even holier. The thought that my grandmother cannot confirm my future partner as the right one no longer feels so painful. I have the reason to hope that my intuition (which includes everything and everyone that I have met) will realize what is good for me.
We are never really alone.
The ancestors never leave us!
The very first Grief and Gratitude Ritual in Portugal with Kedar Brown will take place from 19th – 21st September 2019, hosted by the Mount of Oaks Community.
More information from the author at hajo.mueller@gmail.com
Sources:
Malidoma P. Somé (2004) On the Spirit of Africa.
Stephen Foster & Meredith Little (2012) Vision Quest.
www.RitesOfPassageCouncil.org
www.MountOfOaks.org
About the author
Hajo Müller is a certified psychologist and, after starting his career in business and education, today works as a licensed psychotherapist in a clinic in the Berlin area. He is leading a mindfulness-based addiction group. For several years he has practiced yoga, meditation, zen-archery, and studies nature spirituality, Christian mysticism and transpersonal psychology. He is convinced that the rediscovery of old traditions not only enriches us individually, but can also provide healing aspects for our postmodern society.
It would be wonderful to hear any feedback that we can offer directly to Hajo or that we can learn from.
In deep gratitude, emma.